
As linhas deste cordel são do poeta e pesquisador de cultura popular Meca Moreno. Ao todo 24 versos no gênero “setilhas ou sete linhas” (sete versos em cada estrofe), com a métrica de sete sílabas poéticas em cada verso ou linha (redondilha maior)A obra foi criada durante um encontro de oito autores pernambucanos numa noite fria do mês de julho de 2016. Veja o vídeo sobre essa fantástica experiência!
A Botija de Apipucos
No ano dois mil e treze Dia treze, agosto o mês Aconteceu uma história Que vou contar pra vocês Mas quem tiver medo corra Nem peça que eu lhe socorra Porque chegou sua vez.
O vigia cochilava Era alta madrugada Na Vivenda Santo Antônio De Apipucos, falada. A Casa Museu, por certo, De Magdalena e Gilberto Dizem que é malassombrada.
O sítio estava deserto Naquela noite chuvosa O ribombar dos trovões Deixava a cena ruidosa Raios no céu cintilavam Relâmpagos clareavam E a chuva era impiedosa.
Entre estrondos e estalos A agonia aumentou O medo chegou de vez A guarita “congelou” Num clarear repentino Ouviu-se o toque de um sino E um vulto se aproximou.
Vindo de dentro da casa Mas ninguém viu quando entrou Pela vidraça o vigia De repente o enxergou: Um preto velho e sereno De falar manso e ameno Assim o cumprimentou:
― O que lhe aflige meu bom? Por que está aperreado? ― Quem pergunta aqui sou eu! Como passou pra este lado? ― Eu moro aqui, não sabia? Eu sou pura poesia. Sou anjo sem ser alado!
O preto velho na chuva Mas a roupa não molhava A pele ainda seca E Zé se arrepiava. ― Não se assuste meu amigo Comigo não há perigo! Para o portão grande andava.
Mas se estava fechado Então como passaria? E um novo clarão se fez A noite pareceu dia Quando dentro da guarita O vigia vê e grita. É o preto, quem diria?
― Pelo amor de Deus me deixe! Eu sou um pai de família! Sou pobre não tenho nada Sou sem casa e sem mobília ― Não se incomode rapaz Permaneça assim, em paz Continue sua vigília.
Eu vim para lhe dizer Que você pode ser rico Ter a sua independência Seu dinheiro eu multiplico Mas para obter sucesso Não vai ser fácil, confesso. Feche a boca, cale o bico.
O escolhido é você Para essa nobre missão Somente no mês de agosto Toda sexta-feira, então Já perto da meia-noite Muita calma, não se afoite Fique em pé, junto ao portão.
O Pai Nosso é a primeira E mais forte oração Reze uma Ave Maria E peça orientação Chame por Santa Maria Protetora de Vigia Para nova explicação
Na sexta feira seguinte Seu Zé Vigia, de guarda Quando foi às onze e meia Dispensou a sua farda Com coragem quase franca Vestiu uma roupa branca Contrastando a noite parda
Era agosto, dezessete Dirigiu-se ele ao portão Tremendo de frio e medo Pra resolver a questão E cumpriu o combinado Ficou ele aliviado Da primeira parte, então.
Quando foi na outra sexta Vinte e quatro era o dia Naquele mesmo horário Repetiu sua agonia De branco todo vestido Meio enrolado, perdido Mas disse: ― É minha alforria!
Como se faz em um mapa No papel escreverei: Do centro da escada grande Vou até o bicho rei Junto à escada menor Juro que será melhor Mais 13 passos darei
Chegarei à grande árvore Trinta e três graus a bombordo Ah, meus tempos de marujo! Se estiver dormindo, acordo. Ao mausoléu chegarei Mais sete passos darei Com voz de comando (a)bordo.
Durante a semana inteira Danou-se a fazer fiado Na sexta-feira seguinte Seria “rico e honrado” Gastou “no cartão” de amigos Já não temia perigos Usou o cartão do cunhado.
Prometeu pagar a todos: ― Juro vou fazer surpresa! Pois hoje eu enricarei Podem comprar cama e mesa Eu achei grande botija! Portanto ninguém se aflija Que eu pagarei a despesa!
Comprou presentes, deu festa Em nada economizou Declarou-se um homem rico Namorou muito, quengou! E na sexta, trinta e um Já tava cheio de rum Quando no portão chegou
Lá na entrada ficou De branco e bem alinhado Bem perto da meia-noite Começou logo o traçado Partiu para a grande escada Disse não vou dar mancada Vou ficar rico um bocado
Mas deu co’a língua nos dentes E se deu mal o “ricão” O trato ele não cumpriu Pois revelou a missão. No local cavou um buraco Quando acabou tava fraco Achou somente carvão
O segredo da botija Não deve ser revelado Ou se desfaz o encanto E o sujeito é castigado. Eita, que cabra idiota! Deve até ao agiota. Está mais endividado.
Das coisas que ele comprou Não pagou nenhum vintém Depois que perdeu o emprego É motivo de desdém Não soube guardar segredo O homem que era um rochedo Agora não é ninguém!
Meca Moreno: Poeta e estudioso da poesia popular nordestina, tem dois livros e diversos de cordéis publicados. É ator e também atua como xilógrafo, criador de bonecos de mamulengo. Ministra oficinas de livros artesanais, de xilogravura e de literatura de cordel em todas as regiões do Pernambuco, através do Festival Pernambuco Nação Cultural – FPNC, da FUNDARPE/Secretaria de Cultura, bem como para outros órgãos do Estado, como Secretaria de Educação, Museu Cais do Sertão e outras entidades como SESC/Santo Amaro, Santa Rita, Garanhuns, Triunfo, Arcoverde; SENAI Santo Amaro e SENAI Água Fria; Prefeitura da Cidade do Recife/Nascedouro de Peixinhos, ONGS e diversas empresas particulares. É membro da União Brasileira de escritores; membro da Comissão Setorial de Literatura do Estado de Pernambuco.
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