Mesmo parecendo ter facilidade ao saber o que está fazendo, Robert Eggers tarda ao encontrar uma personalidade destaque para sua versão da sinfonia de horror. Mas, isso não impede que o resultado seja realmente belo.
Desde o primeiro take de Nosferatu, que mostra Ellen, personagem de Lily-Rose Depp, surgindo em meio a escuridão em um plano que centraliza seu rosto ainda semi escondido pela penumbra, o diretor Robert Eggers, venerado por clássicos modernos como “A Bruxa” (2016) e “O Farol” (2019), mostra que, para ele, adaptar um dos principais precursores do cinema de horror para a modernidade, assim como uma das obras mais importantes da literatura gótica, não seria um grande desafio. Ciente do modelo clássico de se contar uma história de vampiros, o cineasta acredita na própria bagagem e desenvolve sua versão da história de Conde Orlok atribuindo à obra a sua essência original misturada com a visão imagética do diretor que, no meio de tantas e boas referências, acaba demorando para encontrar uma personalidade ou um diferencial.
Nosferatu (1922) de F.W. Murnau, uma das mais importantes obras do cinema mudo alemão, foi manifestamente realizado como uma adaptação não oficial de Drácula de Bram Stoker, clássico do romantismo gótico que, tal como seu precursor Frankenstein ou o Prometeu Moderno, de Mary Shelley, serve de base principal para a construção narrativa de obras do gênero horror, a ponto de Florence Balcombe, viúva de Stoker, mover um processo contra a produção do filme por violação dos direitos autorais da escrita. Se o longa de Murnau idealizou de maneira quase escrachada uma versão alemã da clássica história do vampiro, mas dentro de suas particularidades que evidentemente se diferem da obra original (mesmo sendo singelas e até pouco fáceis de enganar), a versão de Werner Herzog, Nosferatu: O Vampiro da Noite (1979), já pôde se aproveitar melhor do domínio público do romance de Stoker e igualmente realizar um tributo ao clássico longa-metragem de 1922, porém com uma perspectiva mais melancólica. Após o mórbido silencioso de Murnau e o elegante solitário de Herzog, nos deparamos com a mais pura essência idealizada por Bram Stoker, ainda mais no visual de seu vampiro. Em Nosferatu de Robert Eggers, Orlok do bem caracterizado e devidamente teatral Bill Skarsgård (IT: A Coisa) possui as mesmas características físicas e comportamentais do Drácula de Stoker, sendo este um notável diferencial da nova obra, porém não o suficiente para fazê-la se destacar.

De fato, pode-se afirmar que a nova versão da história de Conde Orlok é uma representação bem realizada, tanto atmosférica quanto historicamente, do romance de Stoker, sabendo aproveitar cada entrelinha da obra gótica que faz alusões à peste negra, à profanação religiosa e cultos, além de metáforas referentes ao erotismo, a demonologia e até passagens surrealistas. O acúmulo de referências ao roteiro de Henrik Galeen (1922) e ao livro de Bram Stoker acaba por limitar novas e boas ideias da escrita de Robert Eggers. Suas particularidades existem, mas precisam dividir espaço com o fator adaptação, o que torna Nosferatu de 2024 carente de inovações a não ser suas louváveis associações e aprofundamentos, principalmente na história de Ellen, vivida de maneira intensa por Lily-Rose Depp, atriz essa que surpreendeu por ser entregar de corpo e alma à personagem.
Com 3 longas-metragens venerados pela crítica e público, claro que Robert Eggers não poderia deixar de escapar da divertida e debatível lista de cineastas notáveis que se aventuram em adaptações ou releituras de clássicos resultando em obras longe de não possuírem suas assinaturas, mas que são evidentemente inferiores por, justamente, não arriscar ou acreditar que está navegando em uma zona conhecida da qual se tem total domínio. Para o terror moderno, até mesmo para remakes e sequências de obras de grande importância para o gênero, a inventividade para se desdobrar uma boa história é grande diferencial e Eggers tem plena consciência disso em seus primeiros filmes, parecendo desandar em Nosferatu de 2024, mas não de forma altamente comprometedora.

É sentida uma carência inventiva igualmente na estética de Nosferatu de 2024. Contando com uma fotografia claramente bela e bem idealizada, mas que parece acreditar no golpe comum da penumbra, uma vez extremamente funcional no longa de 1922 que faz interessantes jogos de sombras mostrando o iminente perigo que o personagem título representa, a nova versão também procura fazer um bom uso da ausência de luz e das imagens sem saturação. Por outro lado, o longa prefere fundir a escuridão e até a distorção criativa do expressionismo alemão para sua construção imagética a elementos padrões e já cansativos dentro de filmes do gênero, como jump scares e enquadramentos que preservam um ponto em evidência em meio a um cenário aberto, técnicas essas que o próprio Robert Eggers procurou driblar ao misturá-las à sua visão inventiva (e, até mesmo, arriscada) nos excelentes "A Bruxa" e "O Farol" , mas que até chegam a funcionar em Nosferatu por tornarem a obra imersiva.
Sua beleza, por outro lado, existe e pode ser apreciada mesmo com a escassez criativa mencionada, sendo muitas vezes salva pela narrativa teatral e novelesca, o que é intensificado nas atuações de, além dos formidáveis Bill Skarsgård e Lily-Rose Depp, Nicholas Hoult, como Hutter, Aaron Taylor-Johnson (Harding) e Willem Dafoe (Professor Albin Eberhart von Franz), que para alguns deve soar artificiais ou caricatas, sendo que tais “caricaturas” são essenciais para um maior aprofundamento na obra, tal como sua trilha sonora estridente com notas clássicas, responsável pelo exímio maestro Robin Carolan, que já contribuiu com Eggers em O Homem do Norte (2022).

É importante frisar que Nosferatu (2024) não é um terror acessível para todo o público que aprecia uma obra que explora o medo e suas nuances. Há uma complexidade dentro da produção que mistura suas várias referências ao ritmo mais lento e construtivamente tenebroso elaborado por Robert Eggers, o que já caiu nas graças de seus fãs.
Mesmo não sendo um notável festival de ideias criativas e optar por uma estética que não procura se arriscar para além, acreditando que replicações e fidelidades já bastam, Nosferatu funciona tanto como remake quanto releitura mais fiel à Drácula de Bram Stoker.
Por: Lucas Rigaud
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