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  • Foto do escritorO Recife Assombrado

O fogo das almas


Se você viajar pelo Agreste pernambucano à noite, poderá ver uma luz fantasmagórica clareando a vegetação. O povo da região fala de grandes bolas de fogo voadoras que se movimentam no ar de maneira inesperada, dando rasantes ligeiros nos arbustos ou flutuando lentamente entre galhos de árvores. O pavor de quem as vê de perto é grande.


Há quem diga que são almas penadas, gente que morreu de forma trágica ou não teve direito a missa ou reza, por isso vagariam sem descanso em forma de chama. As bolas de fogo ou “tochas”, como também são chamadas, são muito vistas nas matas do município de Bonito. Costumam ser observadas por agricultores da região e por visitantes que aparecem para caminhar em trilhas ou à procura das belas cachoeiras de lá.


Antigos moradores de localidade de Guaribas, distrito de Caruaru, contam uma história ainda mais curiosa. Lá, as aparições são muito frequentes e algumas vezes chegam a se chocar. Quando isso acontece, surgem enormes faíscas que se espalham por todos os lados. Muitas testemunhas afirmam que as almas penadas estão brigando. Essas “brigas” no céu também são registradas em outros locais do estado, embora com menor frequência.

Já na área rural da cidade de Gravatá, agricultores relatam o encontro desastroso de uma mulher chamada Severina com uma das tochas. Mãe de onze filhos, morava com as crianças e o marido num casebre. Todos dormiam em esteiras no chão da sala. Em uma madrugada sem lua, Severina precisou urinar. Levantou-se e saiu pisando cuidadosamente nos espaços entre os familiares. Como não havia banheiro, acocorou-se por trás de uma moita no quintal. Antes mesmo de começar a urinar, viu a alguns metros uma tocha se movimentando. Não acreditou que fosse coisa do Além, pois era do tipo que desconfia das crendices do povo. Enquanto fazia xixi, murmurava em tom de ironia:


– Tocha, tocha, tocha, tocha…


A tocha que brilhava em tons amarelos e vermelhos intensos sumiu de repente. Severina levantou-se e caminhou para a casa. Nesse momento, a bola de chamas apareceu à sua frente. A luz feriu seus olhos, o calor queimou a pele do rosto, as sobrancelhas e parte dos cabelos. Praticamente cega e desesperada, Severina correu, entrou passando por cima dos filhos e do marido e bateu contra a porta da frente, caindo desmaiada. Nunca mais duvidou das tochas.


Nos arredores do município de Surubim, no tempo que ainda não havia chegado a luz elétrica, as pessoas descreviam o fogo das almas de outra forma. Olhavam para o horizonte da mata e viam luzes andando juntas como se fossem beatas em procissão carregando lamparinas. As luzes se apagavam de repente. Muitas vezes alguns homens da região iam juntos para tentar descobrir o que era, mas nada encontravam. Contudo, os corajosos que se arriscavam sozinhos pelas trilhas presenciavam vultos brancos assustadores por entre os capins e debaixo das árvores.


Assombrações ou não, o fato é que as bolas de fogo, também chamadas em outras regiões de “fogo corredor”, estão entre os fenômenos mais conhecidos do interior do Brasil.


Contado por André Balaio

Ilustração: André Soares Monteiro, artista plástico idealizador do Movimento Catamisto (Catar e Misturar o lixo para transformar em arte).

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