
André Balaio
Um drink na mão e a gata perfeita, pele bronzeada em contraste com o vestido branco, girando e roçando ao som da batida envolvente. O réveillon que sempre sonhou.
– Acorda, Ricardo. Parece que dorme de olho aberto. Passa o chester, menino – disse a prima sorrindo.
Na casa da tia, todos imprensados na mesa assistindo ao especial da TV. Faltava uma hora.
– E por que não vamos logo para a praia? De lá nós vemos os fogos, vai ser lindo – a mãe sugeriu.
O apartamento ficava em um conjunto no Pina mas diziam que era Boa Viagem para parecer chique. Ricardo, a mãe, a tia, o primo, a prima e o namorado da prima levaram sidra, taças de plástico, som portátil, salgadinhos e uma caixa de isopor. A praia já borbulhava com barracas de bebidas, tendas de música eletrônica, vendedores de batida de frutas, ambulantes, pessoas para cima e para baixo do calçadão.
Na areia, abriram as esteiras e sentaram, abriram o isopor e beberam. Cerveja quente. Veio a contagem regressiva, adeus ano velho, feliz ano novo… fogos, abraços, selfies. Liga o som! Beber, dançar, beber. Hora de dar os sete pulinhos nas ondas. É para dar sorte, a mãe lembrou. Tiraram sapatos e sandálias e foram todos. No caminho, Ricardo viu uma garota sentada em uma esteira de vime, vestido branco, pele morena, cabelos negros. Se estava sozinha ali àquela hora deveria querer algo. Reduziu o passo, deixou os outros se afastarem em direção ao mar e se aproximou. Ficou um tempo parado olhando a moça, o álcool nas ideias, e já ia puxar conversa quando apareceu um boy do tamanho de um armário com duas cervejas na mão e sentou ao lado. Ricardo deu meia volta.
Os parentes já saíam do mar quando ele chegou. Teve que pular as ondas sozinho. Após a sétima, percebeu uma jovem loura, pele alva feito leite, corpo perfeito no vestido branco enfeitado com rendas. Andava para um lado e para o outro, molhava os pés, mirava as estrelas, suspirava. Era clarão, era relâmpago. E não parecia haver ninguém com ela. Aliás, a praia já estava vazia.
Depois de alguns minutos, a moça tirou o vestido, ficou completamente nua, entrou na água em passos lentos, olhando a imensidão com ar perdido. O rapaz assistia extasiado, ela parecia flutuar nas ondas. Ricardo decidiu segui-la mar adentro sem perceber que já estava fundo, muito fundo. Foi quando a moça desapareceu. Será que se afogou? Olhou em volta, nadou, mergulhou, nadou mais, até sentir um cansaço extremo que turvou a vista e o fez apagar.
Acordou na areia, respiração boca a boca, a mãe chorando, multidão em volta, peito impelido com violência e jato d’água expulso. A volta para casa foi só reclamação.
Um amigo a quem confidenciou o estranho encontro comentou que a mulher de branco devia ser a Encantada do Pina, fantasma que inspirou o nome da localidade ali perto conhecida como “Encanta-Moça”. Ricardo não quis saber detalhes. Ficou tão traumatizado que hoje em dia passa todos os réveillons em frente à TV.
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