
Meu nome? Maria Eduarda, mas todo mundo me chama de Duda. Ah, tenho 22 anos,tô estudando arquitetura. Quem me conhece sabe que eu adoro festa, música, noitada com os amigos. Por isso vivia nas baladas do Bairro do Recife, onde sempre tem muitos shows e agitação. Vivia! Quero nem saber mais de ir lá… E não gosto nem de falar nisso… Mas, pela última vez, vou contar o que aconteceu.
Foi numa noite de sexta. Estava tento a apresentação de uma banda bacana na Rua da Moeda. E o som tava massa! Mistura de rock com manguebeat, super animado. Mesmo assim, quando deu duas da madrugada, sei lá, me bateu um abuso, um cansaço, vontade de voltar para casa, de cair na cama. Pedi às minhas amigas para gente ir embora. E elas quiseram?
– Deixa de besteira, menina. Quando amanhecer, a gente volta.
– Oxe, fico nada! Pra mim já deu. Vou chamar um táxi.
– Então toma cuidado pelo caminho, Duda! Até chegar ao teu bairro, tem muita rua deserta nessa hora.
Quis nem saber. Dei tchau a todo mundo e fui embora. E só então que eu percebi que a bateria do celular tinha acabado. Não dava para usar o aplicativo de chamar a condução. Fazer o quê? Sai andando, procurando um táxi de rua. E não achei. As ruas estavam vazias de verdade – nem um pé de pessoa! Bateu aquele medo, mas não queria voltar. As meninas iam ficar tirando onda comigo o resto da noite. Caminhei ligeiro e fui atravessando a ponte Maurício de Nassau. Pensei que podia haver um ponto de táxi do outro lado.
As luzes dos postes ficavam compridas, feito raios, quando batiam na água escura do Capibaribe. De repente, o rio soprou um vento gelado e senti um arrepio na nuca, um frio na barriga. No meio da ponte, enxerguei um cara vindo em minha direção. Fique desconfiada e continuei. Não podia dar bandeira, né?
Ele foi se aproximando e vi que era uma figura esquisita. De paletó branco e gravata, na cabeça chapéu de aba larga. Era fantasia de carnaval? Mas a gente estava em julho! Bastou eu piscar o olho, e o cara já estava na minha frente. Não tive como desviar. Tinha um cigarro apagado na mão e falou com uma voz grossa:
– Tem fogo, moça?
– Fumo não, senhor. Dá licença?
Fui me saindo depressa, mas ele deu um passo para o lado ficou de novo no meu caminho. E foi aí é que reparei bem o rosto do sujeito. Uma cara toda estragada, com umas feridas escuras e podres, parecia um defunto desenterrado! Tomei aquele susto e o cara notou. O seja-lá-o-que-fosse deu uma risada com uma boca nojenta, cheia de dentes amarelos – pareciam dentes de ouro!
Saí correndo feito uma doida, cheguei ao fim da ponte e danei as pernas por aquelas calçadas. Parei esbaforida na Avenida Dantas Barreto e sabe o que aconteceu? O cara estava numa esquina do outro lado da pista! Como ele tinha aparecido lá? Era coisa de fantasma, tinha que ser. E logo comigo que nunca fiz nem a brincadeira do copo, que detestava filme de vampiro! Quando ele me viu, deu uma gargalha de mostro e berrou de longe:
– Tem fogo?
Ave Maria, só Deus sabe como não desmaiei. Corri até a Pracinha do Diário e foi lá que achei um táxi, o único que tava no ponto. O motorista ficou com os olhos arregalados quando entrei no carro e bati a porta.
– A moça vai aonde com esse vexame?
– O senhor me leve primeiro pra bem longe daqui e depois eu explico o caminho!
Cheguei em casa chorando, tremendo. Não teve jeito de eu dormir até a noite seguinte. Fiquei apavorada por uma semana. E até hoje me lembro daquele espantalho. Por isso não vou mais nunca ao Bairro do Recife de noite. Acho que o cara-de-defunto só aparece por lá, né? Melhor ficar curtindo em casa mesmo…
Texto de Roberto Beltrão
Ilustração de Stuart Marcelo: ilustrador, designer e um fã irremediável de literatura de terror, horror e ficção científica, que são uma das principais fontes de inspiração pra suas ilustrações. Seu traço carrega muitas influências, principalmente no que tange a cultura regional do nordeste mítico e fantástico. Trabalha desde 2007 no CESAR (Centros de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), onde já atuou em projetos como mídia e jogos para mobile, animação e character design de jogos para TV Digital, interface de aplicativos (TV e Mobile) para Motorola e Samsung,e projetos gráficos diversos.
Você pode conhecer mais dos trabalhos de Stuart em:
Comments