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  • Foto do escritorO Recife Assombrado

A Emparedada da Rua Nova


Como pode um pai ser tão desalmado a ponto de emparedar viva a própria filha? O crime chocante virou lenda registrada na imaginação do povo do Recife.


A história foi contada pelo escritor Joaquim Maria Carneiro Vilela (1846-1913) num livro publicado em 1886. Depois ganhou uma segunda edição em forma de folhetim – uma espécie de novela dividia em capítulos diários que saíam nos jornais de antigamente. O folhetim “A Emparedada da Rua Nova” foi publicado entre agosto de 1909 e janeiro de 1912 no “Jornal Pequeno”, que circulou por muitos anos na capital pernambucana. Carneiro Vilella narra uma tragédia com toques policialescos feita de traições, romances proibidos e ódios dissimulados.


A trama, que se passa no século XIX, envolve a família de um rico comerciante chamado Jaime Favais. O personagem criado por Carneiro Vilela era dono de uma loja que funcionava no térreo do sobrado que ele possuía na Rua Nova, no bairro de Santo Antônio, um endereço nobre do Recife daquela época.


O comerciante português Jaime Favais era um homem grosseiro e vingativo. Ele descobre que Clotilde, sua única filha, havia engravidado de um malandro sedutor chamado Leandro. Para completar a confusão, esse sujeito também era amante da esposa de Jaime, Josefina. O rico comerciante manda matar Leandro e Josefina enlouquece.


Então Favais tenta casar Clotilde com um sobrinho seu, João, que trabalha na loja do tio. Como o rapaz recusa a proposta e o pai enfurecido condena a filha ao macabro castigo do emparedamendo num banheiro do sobrado. Com a ajuda de um comparsa, ele força um pedreiro a fechar com tijolos a porta do aposento. No derradeiro capítulo do folhetim, Carneiro Vilela reproduz o depoimento que o pedreiro presta à polícia, ainda atormentado pelo crime no qual foi envolvido:


“Passou-se então uma ‘cousa’ horrível e que me fez arrepiar os cabelos da cabeça. Dentro do banheiro estava uma pessoa envolta num lençol como se fosse uma mortalha, e debater-se convulsiva e violentamente. Mas pelos movimentos contidos e pouco acentuados, conhecia-se que a pessoa que estava ali tinha os pés amarrados e as mãos atadas por detrás das costas. Ao passo que fazia esforços inauditos para desencilhar-se das prisões que a retinham e para erguer-se daquele túmulo, onde ia ser enterrada viva, soltava uns gemidos surdos e roucos, de quem está amordaçado.”


Mas a polícia não leva em consideração a denúncia do pedreiro. Depois de cometer essa infâmia, Favais foge para Portugal, onde passa três anos. Lá, Josefina morre. Jaime volta ao Recife para morar no andar de cima do sobrado. E no casarão passa a ser atormentado por medonhas aparições:


“Durante as noites, acontecia-lhe acordar sobressaltado como se houvessem soado ao pé de si gemidos lúgubres e abafados. Outras vezes parecia-lhe ver surgir ao seu lado o espectro esquálido e medonho da sua mulher ou a figura branca e vaporosa de sua filha.”


Não se tem plena certeza de que o escritor criou o folhetim a partir de um fato verdadeiro. Entretanto a jornalista e mestra em Literatura Mirella Izídio estudou detalhadamente a obra mais popular de Carneiro Vilella e descobriu que o Carmélio dos Santos Vilela, neto do escritor, registrou num livro que o romance foi “baseado em fato verídico, que aconteceu no primeiro andar de um sobrado, da Rua Nova, onde existe hoje um edifício, que tem o nº 200”. Ainda sim, isso não nós dá uma evidência concreta que identifique o tal sobrado, ou mesmo o se endereço está correto, pois a numeração dos imóveis da Rua Nova mudou muito ao longo das décadas.


O livro ganhou uma nova edição em 2014 pela editora CEPE


Entretanto, para Mirella, o romance tem detalhes e pormenores que contribuíram muito para que narrativa se transformasse em lenda urbana. Veja o que a pesquisadora escreveu em seu trabalho de conclusão de mestrado: “Por essas peculiaridades, atribuídas em grande parte à obra de Carneiro Vilella, o caso de uma moça emurada viva pelo pai teria ganhado posição especial no imaginário recifense de contos ‘assombrados’.


Já o doutor em Literatura (e professor do curso de Letras da Universidade Federal de Pernambuco) Anco Márcio Tenório Vieira, no prefácio que fez para mais a recente edição da Emparedada da Rua Nova, lembra que: “…no penúltimo capítulo da obra, somos informados que a fonte da estória que nos é narrada vem de uma ex-escrava – Joana – que ‘no ano de 1884 foi, na Corte, criada do autor destas linhas’. Não só: ‘é às suas informações que se deve o conhecimento exato de parte das cenas íntimas e violentas da família Favais’.”


No prefácio, Anco Márcio reflete ainda que, ao afirmar que recorreu às informações da ex-escrava Joana, “o narrador parece que quer se resguardar de qualquer acusação que venha a colocar em questão a veracidade ou não do seu relato”. “Ou seja, ao tempo que ele submete a ficcionalidade da sua obra aos parâmetros de veracidade do cientificismo (‘o caso eu conto como o caso foi’), ele, em contraposição, parece colocar em suspensão a própria veracidade da sua fonte (‘o caso eu conto como me foi conto’)”, completa o professor.


É praticamente impossível, portanto, que Vilela tenha relatado um verdadeiro caso de emparedemento num sobrado da Rua Nova esse episódio narrado no texto seria pura ficção. Mas é fato que existem relatos de esqueletos encontrados por trás de paredes ocas em alguns sobrados e casarões antigos do Recife. Os novos donos fazem reformas nos imóveis e acabam encontrando os restos mortais: provas de que a prática do emparedamento era comum em outros tempos.


O estudioso Reinaldo Carneiro Leão, curador do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), garante: “Há pelo menos três casos, aqui no Recife, de casas com parede falsas no porão e esqueletos dentro”. Pesquisadores dizem que não há como saber se as pessoas eram mesmo colocadas vivas nos cubículos ou situações assim eram tentativas de ocultar os cadáveres. Especula-se que esses corpos pertenceriam a escravos ou mesmo a integrantes das famílias ricas que eram vítimas de doenças que provocavam vergonha perante a sociedade, como a hanseníase ou insanidade mental.

E o fantasma da Emparedada assombra mesmo um velho prédio da Rua Nova? Há quem diga que sim e jure de pés juntos que o fantasma ainda é visto no local onde teria acontecido toda a tragédia. Uma testemunha (que prefere o anonimato) conta, por exemplo, que foi vendedora de uma das lojas da área e acabou presenciando situações bem difíceis de explicar:


“A loja tinha até o quarto andar. Uma vendedora colega minha foi guardar a bolsa no primeiro andar, que era onde a gente almoçava. Quando ela chegou lá, encontrou uma moça com um bebê no braço. Minha colega cumprimentou a moça: ‘Boa tarde! Tudo bem?’ A mulher só acenou com a cabeça, sem dizer nada, e minha colega desceu para o térreo, onde a gente trabalhava. Quando chegou lá, perguntou quem era a tal moça que estava com uma criança no quarto andar. Todo mundo estranhou e não soube dizer. Eu e ela resolvemos subir para tirar o caso a limpo. Na sala não encontramos nada, não tinha ninguém! Então nós ficamos em pânico e ninguém quis mais subir no primeiro andar. Tinha também um senhor que era clientes da loja. Quando ele chegava lá, ficava olhando para as paredes e dizendo: ‘Tô todo arrepiado! Quando era pequeno, minha mãe me contou que história da emparedada. Foi aqui, tenho certeza’. E ele saía da loja bem ligeiro depois de comprar o precisava.”


Contado por Roberto Beltrão / Ilustrações: Fábio Rafael

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